Nº 22 – 22 de maio de 2024

Comunicado Técnico

Conselho de Relações do Trabalho

Medidas emergenciais Trabalhistas

Como é de conhecimento público, o Rio Grande do Sul atravessa a maior tragédia climática da história do estado, superando a grande enchente de 1941. As fortes chuvas que atingiram o RS no final de abril e início de maio afetam mais de 90% (noventa por cento) dos 497 municípios do estado, o que representa, de acordo com a Unidade de Estudos Econômicos, da FIERGS, 94,3% (noventa e quatro, três por cento) de toda a atividade econômica estadual, fato que determinou que municípios, Estado e Governo Federal decretassem estado de calamidade pública.

A situação de calamidade pública em todo o Estado do Rio Grande do Sul foi declarada pelo Poder Executivo Estadual através do Decreto Estadual nº 57.596, de 1º de maio de 2024, e reconhecida sumariamente pelo Poder Executivo Federal, através da Portaria nº 1.354, de 2 de maio de 2024, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, também abrangendo todo o estado do Rio Grande do Sul.

Desde as publicações do primeiro Decreto Estadual e da primeira Portaria Federal e até a elaboração deste comunicado, já foram publicados os seguintes instrumentos, que especificaram os municípios em estado de calamidade pública ou em situação de emergência, observada a intensidade dos danos nos respectivos territórios:

O Decreto Federal nº 10.593, de 24 de dezembro de 2020, traz os seguintes conceitos:

Estado de calamidade pública – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação;

Situação de emergência – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação.

Diante da situação enfrentada pelo Estado do Rio Grande do Sul, tanto pela sociedade quanto o setor industrial, o Contrab desenvolveu o presente comunicado técnico contendo orientações trabalhistas, sob a égide da legislação trabalhista brasileira, especificamente com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legislações complementares, com o objetivo de subsidiar alternativas trabalhistas para enfrentamento das consequências sociais e econômicas advindas das enchentes com foco na manutenção do emprego e da atividade empresarial.

Com certeza os eventos climáticos extremos sofridos no RS, e que ensejaram o reconhecimento do estado calamidade pública e/ou situação de emergência, se enquadram como hipótese de força maior, conforme previsto no Código Civil e, no particular, no art. 501 da CLT, por se tratar de acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, e para qual este não concorreu, direta ou indiretamente, afetando substancialmente sua situação econômica e financeira, sendo necessária a adoção de medidas urgentes para continuidade da atividade empresarial e, consequentemente, manutenção dos empregos.

A aplicação da força maior dependerá da abrangência e da real influência do evento na incapacidade da parte de cumprir sua obrigação contratual. Como o motivo de força maior é sempre um fato de grandes proporções, no mínimo regionais, cada atividade será afetada de forma diferente e a constatação da objetiva impossibilidade da execução, da entrega ou do pagamento do serviço é essencial.

Cumpre destacar que a partir da edição da Lei nº 14.437/2022, e diante do estado de calamidade pública declarado pelo Poder Executivo Estadual (ou municipal), e reconhecido pelo Poder Executivo Federal, a Fiergs e demais entidades empresariais requerem a publicação de ato autorizador por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, disciplinando os meios pelos quais as empresas estabelecidas no território gaúcho, inclusive em situação de emergência, possam se valer da previsão contida no art. 2º da Lei n° 14.437/2022 em toda sua plenitude, conforme prazos e condições nele previstos.

Igualmente, é imperioso que as entidades sindicais, laboral e patronal, firmem instrumentos coletivos de natureza emergencial com foco na fixação das condições de trabalho para o enfrentamento desse período de adversidade até a plena retomada das atividades econômicas e preservação dos postos de trabalho, sendo esta também a orientação do Ministério do Trabalho e Emprego no Ofício-Circular 294/2024.

Dentre as medidas emergenciais prioritárias por negociação coletiva destacamos a antecipação de férias

individuais, a concessão de férias coletivas, o banco de horas e a redução da jornada do trabalho com redução de salários, de forma a trazer maior segurança jurídica entre as partes.

Não obstante, na hipótese de restarem frustradas as negociações coletivas emergenciais, e diante da urgência de aplicação de medidas trabalhistas alternativas para enfrentamento das consequências sociais e econômicas advindas do estado de calamidade pública de municípios do Estado do Rio Grande do Sul, as entidades sindicais patronais entendem possíveis, considerados os riscos e observada a situação de força maior de cada empresa, a utilização das medidas trabalhistas alternativas previstas pela Lei 14.437/2022 e Consolidação das Lei do Trabalho – CLT, visando a proteção dos empregos e fôlego ao restabelecimento das atividades empresariais até que sejam alcançadas condições mínimas para a continuidade das atividades econômicas.

Dentre as medidas trabalhistas alternativas previstas na legislação, destacamos:

MEDIDA TRABALHISTACONTEÚDOBASE LEGAL
TeletrabalhoAcordo mútuo entre empregado e empregador;Ajustes contratuais para aquisição e manutenção de equipamentos e infraestrutura;Responsabilidade do empregado por sua jornada e períodos de descanso;Possibilidade de retorno ao trabalho presencial com prazo de transição.Art. 3º da Lei 14.437/2022 e Art.75-A e seguintes da CLT.
Férias Individuais (concessão e/ou antecipação)Comunicação prévia de 48 horas;Período mínimo de 5 dias corridos;Pagamento de remuneração até o 5º dia útil do mês subsequente.Art. 6º e seguintes da Lei nº 14.437/2022.
Férias ColetivasMesmos procedimentos das férias individuais;Dispensa de comunicação ao Ministério do Trabalho e ao sindicato laboral.Art. 12, 13 e 14 da Lei nº 14.437/2022; Art. 139, da CLT.
Antecipação de FeriadosComunicação prévia de 48 horas;Abatimento do saldo de banco de horas.Art. 15, da Lei nº 14.437/2022.
Banco de HorasAcordo individual com compensação em até 18 meses;Possibilidade de jornada estendida até 12 horas em casos excepcionais.Art. 16, Lei nº 14.437/2022.
Redução de Jornada e SalárioAcordo escrito;Preservação do salário-hora;Comunicação prévia de 2 dias;Encerramento de acordo com ajuste firmado ou cessação da calamidade.Art. 503, da CLT. Art. 29, da Lei nº 14.437/2022.
Suspensão Temporária do Contrato de TrabalhoA possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho apresenta dificuldades adicionais para a sua implantação, visto que carece de regulamentação por parte do Ministério do Trabalho e Emprego.Art. 30, da Lei nº 14.437/2022.

IMPORTANTE REFORÇAR, ainda que no contexto de calamidade pública e/ou emergência, e, ainda, força maior, a adoção dessas medidas poderá ensejar risco de questionamentos judiciais futuros, como tradicionalmente ocorre no quesito segurança jurídica no Brasil. Todavia, indicamos a cautela de resguardo de evidências da situação atual da empresa e de seus empregados em face da calamidade climática, bem como de todas as providências tomadas para proteger os trabalhadores e a própria empresa, inclusive as que vão além do contrato de trabalho, propriamente dito, incluindo aqui as medidas assistenciais e de voluntariado tomadas pelos empregadores e empregadoras.

Há que se considerar, sempre, que o motivo de força maior poderá afetar cada empresa e seus trabalhadores de forma diferente e a constatação da objetiva impossibilidade do cumprimento das obrigações contratuais é essencial para a sua caracterização, de forma que o bom senso deve ser observado.

Não obstante as medidas mencionadas acima que visam a proteção do emprego e renda, destacamos no quadro abaixo alguns questionamentos que tem surgido em meio a situação vivenciada pelo setor industrial, bem como orientações de como proceder em cada caso.

1) EMPRESA QUE SOFREU
PERDA DE DOCUMENTOS
E/OU DADOS DO EMPREGADO.
Quando for possível e seguro o acesso ao banco de dados e arquivos, sugere-se que a empresa elabore um inventário dos documentos que não se perderam com a enchente.

Com relação aos documentos perdidos, extraviados ou destruídos, recomenda-se que a empresa proceda na elaboração de um Boletim de Ocorrência (B.O.) junto à Polícia Civil do Estado do RS, relatando com exatidão quais os documentos que não mais estão em sua posse.
 
É oportuno referir que neste B.O. poderá constar uma relação de documentos expedidos por órgãos oficiais (p.ex. CTPS de empregado) ou de documentos produzidos pela própria empresa (p.ex. ficha de registros de empregado), devendo mencionar, com a maior exatidão possível, quais foram os documentos perdidos e os respectivos períodos.

Conjuntamente ao B.O., é muito importante que a empresa efetue registros fotográficos da situação fática encontrada após o evento climático que acarretou o prejuízo, na medida que se constitui em prova visual passível de utilização futura. O B.O. pode ser lavrado em Delegacia de Polícia Civil ou no sítio eletrônico https://www.delegaciaonline.rs.gov.br/dol/#!/index/main ou no
portal “gov.br”.
2) RESGATE DE INFORMAÇÕES PARA A RECONSTRUÇÃO DO BANCO DE DADOS DA
EMPRESA.
Sugere-se que a empresa proceda em consulta junto aos portais oficiais da União Federal, do Estado do Rio Grande do Sul, dos Municípios e de fundações e autarquias para obter com exatidão alguns dados visando reconstruir o acervo de informações dos empregados (ou terceirizados que tenham lhe prestado serviços).

A título de exemplo, a empresa pode consultar os portais da “CTPS Digital” ou do “eSocial”, visando obter dados acerca de evolução funcional e salarial do empregado. Outros portais que podem contribuir nesse resgate são os da União Federal (“gov.br”) e do INSS (“inss.gov.br”). Documentos relativos a ajustes de compensação de horários ou composição de CIPA podem ser solicitados às entidades sindicais quando tiverem sido repassados por determinação
normativa.
3) ATESTADO EMITIDO PELA DEFESA CIVIL.O atestado emitido pela Defesa Civil tem o condão declaratório de informar que determinado endereço foi atingido por um evento climático e que este resultou em alagamento e inundação, de forma a impossibilitar ao morador o acesso ou permanência em sua residência.

Na prática, o atestado emitido pela Defesa Civil não se compara a um atestado médico, menos ainda para efeitos de abono de faltas ou encaminhamento ao INSS para o gozo de benefício previdenciário (mesmo quando a previsão de retorno ao local seja superior a 15 dias).

Ele se presta tão-somente a comprovar impossibilidade do empregado de comparecer ao trabalho.

A empresa, ao receber o atestado da Defesa Civil, não poderá punir o empregado pela ausência verificada (advertências, suspensões e aplicação de justa causa).

Porém, a empresa não está obrigada ao pagamento das horas não trabalhadas, e, sequer, das horas de repouso semanal remunerado.

Por outro lado, é oportuno verificar a veracidade do atestado apresentado e se endereço atingido efetivamente é o do empregado. Recomenda-se que a empresa promova uma checagem da situação particular de cada empregado e a condição da residência quando apresentado o atestado em questão.

Caso seja de interesse da empresa, assina-se a possibilidade da prática de banco de horas com o empregado impossibilitado de comparecimento, com compensações futuras das ausências ao
trabalho.
4) O EMPREGADO PODE AJUDAR NA LIMPEZA DA EMPRESA?Esse questionamento merece ser apreciado com cuidado pelo empresário.

A necessidade de limpeza da empresa autoriza que, excepcionalmente, um empregado execute as tarefas de limpeza na empresa sem que tal condição implique em desvio funcional ou acarrete em prejuízo passível de reparação.

Assina-se, contudo, cautela e cuidado no momento de arregimentar os empregados para essa tarefa, mormente no que respeita às questões de saúde e segurança do trabalho.
É imperioso que a empresa forneça todos os EPIs e EP
Cs necessários para essa atividade, assim como elabore um plano de trabalho em conjunto com o SESMT, tudo com vistas a evitar acidentes ou doenças decorrentes dos serviços de limpeza.
5) PODE HAVER CESSÃO DE EMPREGADO PARA A LIMPEZA DE OUTRA EMPRESA?A empresa atingida pela enchente, e que por essa situação de força maior não está operando, poderá ceder o empregado para outra, mesmo que não seja do mesmo grupo econômico, ressaltando a
responsabilidade acidentária ao tomador dos serviços.
6) AJUDA AO EMPREGADO ATINGIDO.A empresa pode promover e/ou participar de ações humanitárias em favor de um ou diversos empregados na condição de AJUDA PARA MINIMIZAR A SITUAÇÃO DOS FLAGELADOS (p.ex. doação de
cobertor, roupas, eletrodomésticos, materiais de construção, etc).
 
Merece atentar que as doações efetuadas pela empresa ao empregado não poderão ser compensadas ou deduzidas de parcelas trabalhistas.
 
Entretanto, a empresa deve ter cautela para que essas ações não se constituam em obrigações trabalhistas, inclusive para não gerar aquisição de direitos e não se incorporar aos contratos de trabalho dos empregados beneficiados.
7) EMPRÉSTIMO AO         EMPREGADO ATINGIDO.As ações financeiras na modalidade de empréstimo entre empregado e empresa deverão ser ajustadas sempre por escrito. O pagamento do empréstimo poderá ser parcelado mensalmente, mediante desconto autorizado também por escrito pelo empregado, desde que o valor de cada parcela não ultrapasse 30% (trinta por cento) da remuneração.
 
Frisa-se que o adiantamento da gratificação natalina (13º salário) não se constitui em empréstimo.

NOVAMENTE REFORÇAMOS QUE, neste momento extremamente delicado de força maior, faz-se necessário que as situações particulares sejam avaliadas individualmente para cada empregado. A tomada de cada decisão deve ser razoável e proporcional a cada desafio enfrentado.

Salientamos que, em caso de dúvida, a empresa efetue consulta à entidade sindical patronal de sua categoria e ao Departamento Jurídico, a fim de resguardar os interesses empresariais e evitar prejuízos.

Gerência Técnica e de Suporte aos Conselhos Temáticos – GETEC
Conselho de Relações do Trabalho – CONTRAB
Coordenador: Guilherme Scozziero Neto
Contatos: (51) 3347–8632 e [email protected]

Fontes:
BRASIL. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980 Acesso em: 20 maio 2024.
BRASIL. Diário Oficial da União. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.467-de-8-de-marco-de-2024-558552934 Acesso em: 20 maio 2024.
BRASIL. Diário Oficial da União. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.587-de-13-de-maio-de-2024-559601356 Acesso em: 20 maio de 2024.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm Acesso em: 20 maio 2024.
BRASIL. Lei nº 14.437 de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14437.htm Acesso em: 20 maio 2024.
BRASIL. Delegacia online RS. Disponível em: https://www.delegaciaonline.rs.gov.br/dol/#!/index/main Acesso em: 20 maio 2024.
BRASIL. Portal Gov. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br Acesso em: 20 maio 2024.
Comunicado Técnico Contrab – edição 20 de 14 de maio de 2024. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1cOq4QdalZogq-QpXriqWLk0wl1iRmSh8/view?usp=sharing
Garcez, Advogados Associados – Informativo Enchentes – maio de 2024.

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