As fortes chuvas que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, desde o final do mês de abril, já afetaram mais de 92% dos municípios gaúchos e mais de 2 milhões de pessoas de acordo com a Defesa Civil (Tabela 1). Os impactos gerados sobre a população – óbitos, desaparecidos, feridos e desalojados – e sobre a economia, como destruição de propriedades e de infraestrutura social e urbana, logística e energética, causados por enchentes, inundações, alagamentos, deslizamentos de terra etc., ainda são mensurados por instituições públicas e privadas.
Tabela 1 – Balanço das enchentes do Rio Grande do Sul
Indicador | Quantidade |
---|---|
Municípios Afetados | 458 |
Pessoas em Abrigos | 77.199 |
Desalojados | 538.164 |
Afetados | 2.281.774 |
Feridos | 806 |
Desaparecidos | 104 |
Óbitos Confirmados | 151 |
Pessoas Resgatadas | 76.620 |
Os locais atingidos, considerando a abrangência dos municípios, envolvem polos industriais, agropecuários e de serviços, causando um impacto socioeconômico sem precedentes no estado do Rio Grande do Sul. Neste sentido, as diferentes entidades de classe empresariais têm procurado avaliar os efeitos diretos e indiretos das fortes chuvas sobre as principais atividades
produtivas do estado. De acordo com o estudo recente “Estudo da FIERGS mostra que sobe para 94,3% o percentual da atividade econômica no estado afetada pelas chuvas”, a maior parte dos estabelecimentos industriais, dos empregos e das exportações da indústria de transformação do estado estão localizados nos municípios impactados diretamente ou indiretamente pelas fortes chuvas desde o final do último mês.
Neste âmbito, encontra-se o agronegócio gaúcho, formado pela agropecuária, pelos segmentos de insumos e de processamento (agroindústria) e pelo agrosserviços, que são atividades executadas ao longo das cadeias produtivas, como comércio, transporte etc. Esse conjunto de atividades produtivas foi severamente atingido pelos eventos recentes e causará impacto direto na produção e no fornecimento de alimentos para a população do estado, do restante do país e do resto do mundo e na geração de emprego e de renda na economia gaúcha. Em 2023, por exemplo, 73% das exportações totais do estado foram oriundas do agronegócio, impulsionadas por duas atividades tradicionais – complexo soja e fumo – e complementadas pelos setores de carnes, de produtos florestais e de cereais e derivados. Ainda em 2023, o agronegócio do estado gerou 369.415 vínculos de emprego com carteira assinada, que serão duramente afetados com os acontecimentos recentes na economia gaúcha (SPGG/RS).
Além da consequência das fortes chuvas que arrasaram o estado sobre a pecuária (frango, bovino, suíno, leite etc.), com a perda de animais, os danos nas pastagens e a destruição de estabelecimentos, foram interrompidas, de acordo com a EMATER/RS-ASCAR, as colheitas de soja e de arroz, que integram as principais atividades agrícolas do Rio Grande do Sul, e a da segunda safra do feijão, além da produção de hortigranjeiros. Esses danos irão causar impacto na oferta e, consequentemente, nos preços dos produtos. Inclusive, na última sexta-feira, a CONAB foi autorizada a importar 1 milhão de toneladas de arroz com o intuito de reconstituir os estoques públicos, garantindo a oferta e evitando o aumento dos preços.
O Rio Grande do Sul seria responsável, segundo a CONAB, por 14% da produção da safra 2023/24 de grãos do Brasil e era esperado um aumento de 45% na produção em comparação à safra anterior, revelando a dimensão dos efeitos das fortes chuvas sobre a oferta e os preços dos produtos no Brasil. Dentre os produtos gaúchos nesta safra, segundo a CONAB, destacam-se a soja, o arroz, o milho e o trigo, que são os principais produtos agrícolas produzidos no estado.
De acordo com a EMATER/RS-ASCAR, no caso da soja, estima-se a perda total de 22% da área que ainda não havia sido colhida. Além disso, parte da produção colhida e armazenada foi danificada com as intensas chuvas. No que se refere ao milho, foi colhido apenas 86% da área cultivada no estado. A quantificação das perdas nas lavouras de arroz ainda está em processo, mas sabe-se que a colheita foi prejudicada em razão das chuvas e das cheias dos rios. Além disso, o Rio Grande do Sul é o principal produtor de arroz do país e o cenário atual impactará na oferta do produto no restante do Brasil. Em relação aos hortigranjeiros, a perda de produção e as dificuldades logísticas impactarão na oferta de produtos em diferentes locais do estado e, portanto, causarão aumento de preços nas distintas regiões do Rio Grande do Sul. No caso da silvicultura, a EMATER/RS-ASCAR está preocupada com a possível escassez de matéria-prima para a energia no médio prazo, sendo necessário planejar novos plantios, principalmente, de eucalipto em razão do seu múltiplo uso. Por fim, as chuvas intensas e as enchentes afetaram diretamente as pastagens, exigindo a remoção de animais, dificultando a alimentação dos rebanhos, impedindo a comercialização dos mesmos e o transporte de leite. A EMBRAPA propôs ações de curto, de médio e de longo prazo, em pesquisa e transferência de tecnologia, direcionadas para alimentação, água, saneamento, saúde e informações que permitam restabelecer as atividades agropecuárias impactadas no estado. É importante considerar a urgência de informações relacionadas à recuperação de áreas de produção agropecuária, já que parte destas áreas não poderão ser reocupadas no curto prazo.
As implicações dessas fortes chuvas podem ser ampliadas para toda a agroindústria alimentar do Rio Grande do Sul, que corresponde à 66% da agroindústria do estado (Tabela 2). As agroindústrias de abate de suínos e de pequenos animais, de óleos vegetais em bruto, de beneficiamento e produtos de arroz, de laticínios e de abate de reses correspondem a 64% da agroindústria alimentar do Rio Grande do Sul, considerando as saídas fiscais. No caso da agroindústria não alimentar, as principais agroindústrias são processamento de fumo, móveis de madeira, biocombustíveis, exceto etanol, celulose e pasta para papel e calçados de couro, correspondendo a 65% deste segmento (SEFAZ/RS).
Tabela 2 – Agroindústria do Rio Grande do Sul
Agroindústria alimentar | % | Agroindústria não alimentar | % |
---|---|---|---|
Abate de suínos e pequenos animais | 19 | Processamento de fumo | 15 |
Óleos vegetais em bruto | 14 | Móveis de madeira | 14 |
Beneficiamento e produtos de arroz | 13 | Biocomustíveis, exceto álcool | 13 |
Laticínios | 10 | Celulose e pastas para papel | 12 |
Abate de reses | 8 | Calçados de couro | 11 |
Subtotal | 64 | Subtotal | 65 |
A agroindústria alimentar corresponde a 66% da agroindústria gaúcha. | A agroindústria não alimentar corresponde a 34% da agroindústria gaúcha. |
Observa-se, portanto, que ocorrerão perdas econômicas causadas pela destruição de lavouras e de empresas e pela morte de animais, que são aspectos ligados diretamente às atividades produtivas, além de infraestrutura logística e energética, que precisará ser reconstruída em parte do estado. A preocupação também está associada aos milhares trabalhadores do agronegócio, que perderam suas casas e, provavelmente, perderão seus postos de trabalho e, consequentemente, sua fonte de renda.
Os municípios estão sendo impactados por volumes de chuva muito acima da média histórica do estado do Rio Grande do Sul. Entre 2 e 8 de maio, os maiores volumes foram registrados nas regiões Norte, Nordeste e Extremo Sul do estado. Já entre 9 e 15 de maio, há previsões de chuvas mais intensas nas regiões da Laguna dos Patos, da Região Metropolitana, dos Vales e do Litoral Norte (EMATER/RS-ASCAR). O resultado poderá ser o colapso da infraestrutura social e urbana, logística e energética do estado, que potencializará as perdas do agronegócio gaúcho. Neste sentido, urge a formulação de políticas para enfrentar os desafios que permeiam o agronegócio do estado a partir do diálogo entre as entidades de classe empresariais, o poder público e outros atores da sociedade civil. Nesta direção, destaca-se, por exemplo, a prática de medidas excepcionais de simplificação das normas cumpridas pelos estabelecimentos produtores de leite e derivados no Rio Grande do Sul, conforme autorizado pelo MAPA em 9 de maio. O estado produz, aproximadamente, 12% do leite brasileiro, revelando o efeito das fortes chuvas sobre a oferta e os preços dos produtos do agronegócio brasileiro. E a autorização do MAPA, em 14 de maio, para que estabelecimentos do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-POA) do estado processem matérias-primas provenientes de outros estabelecimentos com inspeção para produção de produtos. O objetivo é auxiliar o setor em razão das perdas econômicas e garantir o fornecimento de alimentos à população do Rio Grande do Sul.
Armazéns localizados em municípios afetados pelas enchentes
As fortes chuvas no Rio Grande do Sul alertam para possíveis problemas de escoamento de produtos in natura produzidos no estado e transportados pelas rodovias, já que estradas e pontes foram fortemente abaladas pelas chuvas, deixando várias regiões do estado isoladas. Embora a maior parte da safra estadual tenha sido colhida, a tragédia provocada pelas enchentes gera preocupação quanto ao desabastecimento e à elevação dos preços de produtos agrícolas. Para analisar o cenário de possíveis impactos de escoamento da agropecuária do estado, são apresentados, a partir dos dados do Sistema de Cadastro Nacional de Unidades Armazenadoras da CONAB, a análise de armazéns presentes no território gaúcho e sua localização geográfica quanto às regiões de bloqueios das rodovias.
A Tabela 3 contém a relação de armazéns presentes no Rio Grande do Sul, segundo as mesorregiões do estado. O Rio Grande do Sul possui 4.806 armazéns (CDA)[i] distribuídos em 340 dos 497 municípios do estado. Esses armazéns têm capacidade estática de armazenamento de 32.685.775 toneladas, correspondendo a 16% do total do Brasil. É a segunda maior capacidade estática de armazenamento do país, ficando atrás apenas de Mato Grosso, o qual corresponde a 24% (49.706.316 toneladas) do total do Brasil. Embora ocupe o segundo lugar em capacidade de armazenamento, o Rio Grande do Sul possui a maior quantidade de armazéns (CDA) e unidades armazenadoras dentre os estados brasileiros[ii].
Ao considerar apenas os municípios afetados pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul, conforme Decreto N°. 57.603, de 5 de maio de 2024, de situação de calamidade, 3.234 (67%) armazéns do estado podem ter sido afetados diretamente por meio de alagamentos ou indiretamente com os bloqueios das rodovias.
Tabela 3 – Mesorregiões do Rio Grande do Sul afetadas pelas enchentes
Regiões | Municípios em calamidade de acordo com Decreto 57.603/2024 | Quantidade de armazéns (CDA) | Quantidade de armazéns potencialmente afetados (CDA) | Capacidade estática potencialmente comprometida (toneladas) |
---|---|---|---|---|
Metropolitana | 64 | 695 | 424 | 2.030.029 |
Centro Ocidental | 26 | 734 | 689 | 2.226.432 |
Centro Oriental | 51 | 298 | 295 | 1.823.519 |
Nordeste | 38 | 182 | 111 | 744.781 |
Noroeste | 135 | 1.663 | 940 | 8.201.001 |
Sudeste | 11 | 391 | 173 | 1.804.539 |
Sudoeste | 11 | 843 | 602 | 3.336.068 |
Total | 336 | 4.806 | 3.234 | 20.166.369 |
No que tange ao montante de municípios do estado que possuem alguma unidade de armazenamento, 2/3 deles estão sob decreto de calamidade, como é possível observar na Figura 1.
Figura 1 – Municípios que possuem armazém no Rio Grande do Sul, por situação
As mesorregiões que tem, relativamente, a maior quantidade de armazéns em municípios e situação de calamidade são a Centro Ocidental (94%), Centro Oriental (98%), Sudoeste (71%), Metropolitana (61%) e Nordeste (61%) (Tabela 3). Essas são as mesmas regiões que podem apresentar o maior comprometimento da sua capacidade estática de armazenamento. Em relação ao total da capacidade de armazenamento do estado, 62% dela está presente em zona de calamidade (Figura 2).
Figura 2 – Potencial de comprometimento da capacidade estática por mesorregião do Rio Grande do Sul
Por fim, segundo os mapas de bloqueios das rodovias do Comando Rodoviário da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, as áreas mais afetadas estão concentradas na região central do estado e na Região Metropolitana de Porto Alegre. Portanto, considerando os problemas logísticos, os armazéns nessas regiões poderão ser potencialmente mais comprometidos. Este será o tema da próxima publicação sobre os impactos econômicos das chuvas no agronegócio do Rio Grande do Sul.
[i] O armazém (CDA) é a estrutura física, como, por exemplo, silos metálicos, galpões de alvenaria, graneleiros com ou sem septos ou (divisões internas). O CDA é o Cadastro de Armazém, que é um código que representa a unidade da federação, a empresa e o controle pela CONAB.
[ii] O estado do Mato Grosso possui a segunda maior quantidade de armazéns, 2.625. A capacidade estática de armazenamento brasileira é de 203.746.366 toneladas (CONAB).
Observatório da Indústria do Rio Grande do Sul
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